quinta-feira, 27 de maio de 2010

Credor.

Ela disse assim: "Pára. Não quero mais nada com você. Não lhe devo nada, por favor, não faça como se eu devesse."
Vadia.
Como alguém pode dizer uma coisa dessas? Como alguém, depois de acabar um relacionamento de maneira tão súbita da maneira como acabou, pode dizer em sã consciência que não deve nada ao outro? Não, não, eu digo que ela me deve muito. E estou aqui para cobrar.
A começar, devolva-me o tempo que perdi planejando nosso futuro. Planejando com todo o cuidado as nossas noites juntas, o que lhe diria ao talvez pedir sua mão, as nossas férias pra esse janeiro, a comida da semana que vem. Devolva-me também o relógio que lhe dei no último natal, pra você ser um pouco menos avoada, ser menos perdida no tempo e espaço, pra não perder a hora dos nossos encontros ou das suas consultas médicas.
Devolva-me as canções que fiz pensando em você, as melodias que me soam completamente desafinadas agora, minhas tentativas vãs de te fazer aprender a tocar violão, seus dedos correndo o braço desengonçados, a maneira como você escondia a cabeça no violão, depois levantava sorrindo e dizia "toma, vai. não consigo". Devolva-me a maneira como me sentia bem ao tocar para mim mesmo velhas composições, como me sentia respeitando grandes nomes da música ao tocar sem errar uma nota suas letras de amor. Devolva-me também meu caderno de rabiscos musicais e, se não for pedir muito, devolva-me minha coletânea de MPB que eu guardei com todo o cuidado e que você sempre desarrumava querendo saber o nome de tal música.
Devolva minha solidão ao dormir, meu costume de dormir em qualquer lado da cama sem me sentir mal. Devolva-me o ar do colchão que levaste e deixaste o seu lado amassado dando uma sensação patética de vazio. Devolva-me também meus tampões que usavas pra não ter que me ouvir roncar.
Devolva minha vontade de chegar em casa e descansar sozinho. Devolva minha habilidade de cozinhar e de gostar da comida que cozinho quando chego do trabalho. Devolva meu prazer de sentar à mesa e não ter de ouvir seus lamentos e suas histórias do dia. Devolva meu prazer de não contar à ninguém sobre meu dia, só aos fins de semana, no bar com meus amigos. Devolva meu cheiro às minhas coisas, tire daqui seu perfume que empesteou meu lar, meu nariz, enevoou meus sentidos. Devolva também aquele meu livro favorito, que você sempre esquecia de me devolver.
Devolva meus sorrisos, minha alegria de viver, de me sentir pertencendo à este mundo. Devolva meu prazer de acordar todas as manhãs para fazer o que quer que eu tenha que fazer. Devolva minha indiferença ao ver casais de mãos dadas nas ruas, falando sabe-se-lá-o-quê ao pé do ouvido, se beijando tão apaixonados. Devolva meus risos sinceros, devolva meu gosto por abraçar outras pessoas que não sejam você. Devolva minha vontade de beijar outras mulheres até mais bonitas que você. Devolva meu coração - por favor, devolva meu coração para que eu possa dá-lo à alguém que o consertará. Que cuidará dele da maneira como você cuidou tão bem, mas que não o jogará na parede ou deixará escorrer pelas mãos, caindo em câmera lenta e se partindo em milhares de pedacinhos no chão. Que o deixará seguro na prateleira, no travesseiro ou dentro da bolsa que usa todo dia. Que o guardará junto ao seu coração e que cumprirá a promessa de tê-lo inteiro até o fim.
Devolva-me.

14 comentários:

  1. ôôô retrato que eu te dei, se ainda tens nao sei, mas se tiveeeeer:
    devolva-meeeeeeeee !!!!!

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  2. que isso ein amiga, muuito bom, gostei muuito!! (ta podendo ein.. hahaha :D)

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  3. Devolva-me, não o tempo perdido, talvez, o tempo e talvez esse tempo tenha o seu nome. (:
    Sensacional o seu texto, lindo demais.

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  4. Genial, parabéns pelos textos, voltarei mais vezes.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Tá ótimo. Faz parecer que é a gente que escreve cada letra, são sempre bem feitos. Gosto bastante dos textos daqui. Obrigado por postar e obrigado a seja lá quem os escreve. São fodas e tá cada um melhor que o outro, eu acho, eu. rs

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  7. realmente alem do texto ser muito belo, ele e profundo, e eu adoraria saber quem foi a pessoa q o escreveu, pois e de uma sensibilidade incomum... gostei mt, parabens.

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  8. o seu texto ta maravilhoso.....parabéns amiga!!ainda será uma escritora maravilhosa, tenho certeza=)AMEI!!

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  9. Acho mancada escrever essas coisas depois de um ontem solitário. [2]

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  10. Oi , tudo bem ? estive a passear pelos blogs da rede e derivados e parei aqui , e ao ler esse último texto curti bastante , bem bacana como a posição das palavras acontecia . foi você quem escreveu né? ( confesso qe foi uma pergunta um tanto idiota rs) mas é mesmo pra estabelecer um contato . pq achei bem legal , e depois de ler esse texto vejo-me em relatos dele , bem interessante ! ;D

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  11. "devolva o Neruda que voce me tomou"

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