domingo, 14 de novembro de 2010

Só esse, só esse, só esse.

Era seu primeiro cigarro verdadeiramente seu. Sem amigos sentados à seu lado, tomando uma cerveja e falando de tudo. Sem amigos na boate barulhenta embriagados por cigarettes and alcohol. Era só ela, só ela. Só ela.

Acendeu, foi para a janela. Amanhã iria comprar uma bala e um higienizador de mãos. Odiava o gosto que o cigarro deixava na boca, odiava o cheiro que impregnava as mãos, o cabelo, as roupas. Mas naquela hora ela sentia-se cheirando à tristeza, à choros e palavras presas na garganta, à frustração, cheiros que parecem ser sentidos à quilômetros de distância. Um cheiro a mais não faria diferença naquela hora. Se tomasse banho, cheiros tão ruins quanto o cigarro continuariam ali, que diferença faria?

Deu o primeiro trago, soprou devagar, suspirou. Olhou pra cima, as luzes ofuscavam quase todas as estrelas. Encontrou um brilho tímido, encarou-o com firmeza e murmurou como sempre fazia quando criança: "Estrelinha, estrelinha, a primeira que vejo, por favor, realize o meu desejo". Encarou-a com ternura e completou "Dê-me mais alegrias que tristezas; rode a roda do fortuna para o outro lado. Por favor, estrelinha, faça-me sorrir mais do que chorar". A estrela piscava como se a ouvisse e ela sorriu com a boca fechada. Estava cansada demais para se privilegiar com um sorriso.

Sentiu seu corpo se entorpecendo com o cigarro dentro de si. Já era tarde, ia acordar no dia seguinte cedo. Deixou-se embalar sem música, pousou os olhos ao longe. Tinham sido dias difíceis aqueles, talvez até meses - não saberia dizer. Como passa rápido o tempo! Começou a contar os dias que faltavam praquele ano acabar e desejou que os dias passassem mais rápido ainda, pra acabar aquele ano cão cheio de tantas coisas ruins que a fizeram acender aquele cigarro. Pressão, pressão, estresse, desentimentos, cobrança, pressão, aquilo já soava como uma sirene irritante, um alarme de carro que não deixa a pessoa dormir, por mais sonolenta que estivesse. Pensou em seus amigos, na sua importância na vida deles e deles na sua, nos infortúnios do destino, do azar que é querer ter sorte. Querer ser feliz sempre. Querer ter um amor de verdade. Querer brigas terminadas na mesa do bar, rindo. Querer dançar sem medo. Querer voar sem medo. Seria muito pedir essas coisas? Não é uma coisa natural? Se tantas pessoas procuram, porque seria tão difícil encontrá-las?

"Tsc. Que merda."

Tragou de novo, olhou a brasa corroendo as bordas do cigarro, devagarinho, até dele não sobrar mais nada. Se sentia como aquele cigarro: Tinha tantas coisas boas a oferecer a quem a quisesse, mas era corroída. Se desfazia fácil. Estava à um passo do fim - só sobraria um nada, inútil até à ela própria. Precisava daquele cigarro como aquele cigarro precisava dela (qual a importância de um cigarro se não há quem o fume?). Não era viciada em jogos, em sexo, em bebida, em drogas, em brigas, em trabalho, em estudo, em cigarro, nada - nem pretendia se tornar. Mas aquele corpo, aquele corpo sem vicíos era pesado demais, machucado demais, frustrado demais, a pele cheirando de uma maneira tão repugnante que era demais pra se sustentar.
Respirava fundo, tentando livrar seu corpo de todas aquelas toxinas em cada expiração carregada - não as toxinas do cigarro, não. Essas poderiam ficar por lá, penetrando em cada nervo, enchendo-os de debilidade, enfraquecendo-os a ponto de não saberem mais como transportar aquela negatividade toda que corria seu corpo mais rápido do que ela conseguia segurar, entender e principalmente, querer. Precisar. Aguentar. Tentava se livrar da mágoa, da dor, do coração partido e dos olhos ardidos.
Terminou o cigarro, ficou ali um bom tempo, encarando-o. Fazia tanta idéia do que seria dele como fazia idéia do que seria dela, que era a mesma idéia que fazia de alguma conta gigantesca de matemática. Gostava um pouco daquela sensação, de não ter idéia de nada, de estar cansada e embriagada demais para conseguir pensar nos castigos que sofreria da vida ao acordar na manhã seguinte, do que teria que lidar e passar e engolir para ter um pouco de paz, um pouco de serenidade, um pouco mais de alegria.
Jogou a ponta do cigarro no lixo, apagou as luzes, foi dormir. Deitou, agradeceu aquele momento de solidão, de torpor e de completa ignorância ao seu redor. Satisfeita, se permitiu, apesar do cansaço, sorrir.
Ainda cheirava à tudo aquilo, mas agora tinha uma nova fragância pairando, leve como o mar: era o aroma doce e ingênuo da esperança.

domingo, 8 de agosto de 2010

F.A. I

Eu vou postar aqui. Juro que vou.
Tenho mil textos semi escritos, mas é coisa de inspiração que dá e passa e eu leio e acho lindo o que escrevi e fico parada, esperando a inspiração acabar de tomar o chá dela e voltar pra mim.
Mas decidi postar depois de mil comentários e perguntas do tipo 'você quem escreve?', 'os textos são seus mesmo?', 'nem parece que foi você, você nunca passou por isso', blablabla, etecetera, etecetera.
Prometo voltar aqui em breve com algo novo e brilhante feito purpurina. Por ora, deixo meu colega Nandinho Pessoa explicar a autoria dos textos.
Abraços flw aê.


Dizem que finjo ou minto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.


Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.


Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê !

domingo, 13 de junho de 2010

À ele.

Me desculpa.

Eu sei, eu sei, é uma maneira meio idiota de começar. Mas acho uma boa idéia começar pelo sentido central. Enfim.

Me desculpa, de verdade. Você pode achar que não há nada pelo que pedir desculpas, mas há - é óbvio que há, não seja ingênuo. Eu estraguei tudo e com uma eficácia...se eu fosse tão boa em, sei lá, medicina, como eu sou boa em estragar as coisas entre nós, eu teria descoberto a cura da paralisia ou o que quer que seja.

A questão entre nós é que havia essa ponte. Você daí, eu daqui, nenhum dos dois podia cruzar essa ponte. A gente jogava aviõezinhos de papel, gritava em megafones, fazia o diabo pra diminuí-la. Mas é óbvio que ela não diminuía. A gente podia fingir que sim, mas a verdade é que ela sempre foi - e sempre será - longa, desagradavelmente, impiedosamente longa. E não há nada que possamos fazer. Pensávamos em cruzá-la, fazíamos esses planos pra chegar ao outro lado, imaginávamos como seria quando tivéssemos nossos braços finalmente entrelaçados. Doce ilusão.

Mas o fato de não haver nada para melhorar não significa que não havia nada que pudesse piorar a situação. Nããão, não, havia muitas coisas - e eu, com maestria, experimentei um pouco de tudo. Eu criei obstáculos, barreiras pro som do megafone e pra travessia dos aviões. Me doía não poder cruzar a ponte e eu sei que lhe doía por igual. Ou até mais. Porque, veja bem, você nunca tentou me afastar de ti. Você sempre foi tão paciente e tão brincalhão enquanto eu me desesperava, perdia a sanidade, o juízo. Te empurrei pra muito muito longe depois clamei para que voltasse.

Você não precisava ter voltado. Mas voltaste, pro mesmo lugar que lhe era de direito - seu lado da ponte, meu lado esquerdo do peito. E essa distância entre peito e ponte continuou a me agoniar, a me estrangular e eu já não sabia mais o que eu queria. Eu te queria do meu lado, mas sabia da impossibilidade, me irritava, me frustrava e não te queria mais era de lado nenhum. Não queria mais vê-lo. Não queria mais sentir a queimação dentro de mim, essas borboletas no estômago quando o pegava me olhando com olhar tão manso, quando o pegava sorrindo abobalhado com meus devaneios. Então eu fiz.

Eu fiz a coisa mais estúpida que eu poderia ter feito.



Eu quebrei a ponte. Com uma marreta gigantesca, um serrote, uma dinamite.

É, uma dinamite. Eu explodi a ponte. Eu impedi que você pudesse chegar à mim e vice versa. Eu acabei com o sofrimento, com a dor. Durante muito muito tempo eu achei, de coração, que tivesse acabado com a causa desse nó no coração.

Bom...eu nunca fui lá muito inteligente.

A verdade é que sempre que eu penso num sorriso acolhedor, sempre que eu penso em alguém que me faça sentir leve, sempre que eu penso em alguém pra abraçar à noite, eu penso em você. Completamente involuntário, mas que diferença faz? Eu penso, ponto, acabou. Eu disse à mim mesma que não precisava de você e veja a situação em que me coloquei agora. A verdade é que uma vida de dois não pode ser acabada por um. Se fosse pra ter um final, que não tivesse sido dessa maneira tão bruta. Eu senti o fim chegando e quis cortar o mal pela raiz. Quis sentir a dor de uma vez só e seguir em frente. Quis ter o coração quebrado em uma martelada só. Mas não cabia a mim quebrar o seu, fingir que não me importava com ele.

Sou patética pelas minha atitudes, mas o lado positivo é que eu tento mudá-las. E é essa a idéia aqui.

Eu achei que, uma vez explodida, eu tinha virado as costas e seguido minha vida. Mas não. Eu continuei parada. E você, provavelmente chateado, foi-se embora. Fez muito bem, lógico. Seria idiotice sua ter ficado ali, esperando eu mudar de idéia. Tu deves ter tomado um rumo e eu fico feliz em saber que está bem, que está feliz. É egoísmo meu pedir para que voltes. Eu sei. Eu provavelmente o magoarei e me magoarei de novo. Provavelmente mais a você do que a mim. Mas eu não consigo evitar, meu bem, eu não consigo. Eu estou aqui, prego por prego, reconstruindo essa ponte. E esperando. Esperando você voltar. Pro seu lado da ponte, que seja. Longe de mim, so be it. Pode ser que, de fato, seja estupidez eu querer sentir seus olhos em minha alma novamente, mas, como eu disse, eu nunca fui lá muito esperta.



Me desculpa.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Credor.

Ela disse assim: "Pára. Não quero mais nada com você. Não lhe devo nada, por favor, não faça como se eu devesse."
Vadia.
Como alguém pode dizer uma coisa dessas? Como alguém, depois de acabar um relacionamento de maneira tão súbita da maneira como acabou, pode dizer em sã consciência que não deve nada ao outro? Não, não, eu digo que ela me deve muito. E estou aqui para cobrar.
A começar, devolva-me o tempo que perdi planejando nosso futuro. Planejando com todo o cuidado as nossas noites juntas, o que lhe diria ao talvez pedir sua mão, as nossas férias pra esse janeiro, a comida da semana que vem. Devolva-me também o relógio que lhe dei no último natal, pra você ser um pouco menos avoada, ser menos perdida no tempo e espaço, pra não perder a hora dos nossos encontros ou das suas consultas médicas.
Devolva-me as canções que fiz pensando em você, as melodias que me soam completamente desafinadas agora, minhas tentativas vãs de te fazer aprender a tocar violão, seus dedos correndo o braço desengonçados, a maneira como você escondia a cabeça no violão, depois levantava sorrindo e dizia "toma, vai. não consigo". Devolva-me a maneira como me sentia bem ao tocar para mim mesmo velhas composições, como me sentia respeitando grandes nomes da música ao tocar sem errar uma nota suas letras de amor. Devolva-me também meu caderno de rabiscos musicais e, se não for pedir muito, devolva-me minha coletânea de MPB que eu guardei com todo o cuidado e que você sempre desarrumava querendo saber o nome de tal música.
Devolva minha solidão ao dormir, meu costume de dormir em qualquer lado da cama sem me sentir mal. Devolva-me o ar do colchão que levaste e deixaste o seu lado amassado dando uma sensação patética de vazio. Devolva-me também meus tampões que usavas pra não ter que me ouvir roncar.
Devolva minha vontade de chegar em casa e descansar sozinho. Devolva minha habilidade de cozinhar e de gostar da comida que cozinho quando chego do trabalho. Devolva meu prazer de sentar à mesa e não ter de ouvir seus lamentos e suas histórias do dia. Devolva meu prazer de não contar à ninguém sobre meu dia, só aos fins de semana, no bar com meus amigos. Devolva meu cheiro às minhas coisas, tire daqui seu perfume que empesteou meu lar, meu nariz, enevoou meus sentidos. Devolva também aquele meu livro favorito, que você sempre esquecia de me devolver.
Devolva meus sorrisos, minha alegria de viver, de me sentir pertencendo à este mundo. Devolva meu prazer de acordar todas as manhãs para fazer o que quer que eu tenha que fazer. Devolva minha indiferença ao ver casais de mãos dadas nas ruas, falando sabe-se-lá-o-quê ao pé do ouvido, se beijando tão apaixonados. Devolva meus risos sinceros, devolva meu gosto por abraçar outras pessoas que não sejam você. Devolva minha vontade de beijar outras mulheres até mais bonitas que você. Devolva meu coração - por favor, devolva meu coração para que eu possa dá-lo à alguém que o consertará. Que cuidará dele da maneira como você cuidou tão bem, mas que não o jogará na parede ou deixará escorrer pelas mãos, caindo em câmera lenta e se partindo em milhares de pedacinhos no chão. Que o deixará seguro na prateleira, no travesseiro ou dentro da bolsa que usa todo dia. Que o guardará junto ao seu coração e que cumprirá a promessa de tê-lo inteiro até o fim.
Devolva-me.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Carta ao amor

Eu não sou boa em me explicar. Nunca fui nem nunca serei. Mas tem uma razão preu gritar, preu espernear, pros meus ciúmes e meus lamentos. Existe, meu bem, uma razão pras minhas mudanças de humor, para eu te querer tão bem às vezes e tão longe outras. Pra eu te xingar enquanto te abraço, e dizer que não quero mais te ver enquanto te faço meus carinhos. Pra eu te morder quando te beijo. Pra não te servir comida à mesa. Pra sair com meus amigos sem dizer aonde vou, e até pra dançar com outros. Outros não tem o mesmo balanço, a mesma ginga que você. Não dançam no mesmo compasso. Não têm o mesmo ritmo, o mesmo embalo que me aperta o coração e arrepia a alma.
Existe uma razão. Pode não ser a melhor do mundo, mas é a única que tenho - e acredite quando digo ser a verdadeira.
A razão, meu bem, é que eu te amo. Perdoe parecer clichê, mas é isso que eu sinto por ti. Mais até do que gostaria de sentir, menos do que realmente sinto - mas creio ser a única palavra que defina esse gosto desgostado, esse mexe remexe na minha cabeça, esse grito insano na garganta. Eu tento, de verdade, gostar menos de ti. Tento me desapegar, não mergulhar tão fundo, mas fico louca com a possibilidade de te perder. E é assim que essa loucura se manifesta - em tentativas vãs de te afastar de mim. Peço-lhe compreensão. Compreensão e paciência, pra aturar meus devaneios, pra segurar minha mão mesmo que eu lhe peça para soltar. Tenho medo que soltes da minha mão, que me deixe livre - tenho medo da liberdade. Quero estar presa sempre, presa à teu sorriso, à teus beijos e à teus abraços.
Perdoa se um dia te magoei, se um dia te machuquei, se um dia ofendi tua mãe, teus irmãos, teu cachorro, teu periquito e teu papagaio. Não quis dizer nada disso com verdade ou com vontade. A única verdade, meu bem, é que não sou nada sem você. Gosto de ser essa coisa que sou do seu lado, e essa é minha única vontade. De continuar sendo essa coisa que sou contigo, de continuar sentindo essa coisa gostosa quando penso em você, de pensar em você quando durmo, quando acordo, quando entro no computador, quando ouço música, quando tomo banho, quando quando quando, quando tudo. Quero escrever poemas sobre nosso amor, músicas sobre nossa vida, inventar perfumes que lembrem nossos momentos. Quero continuar discutindo contigo sobre qual filme alugar, qual comida pedir, qual praia ir e outras coisas bobas que sempre acabam na cama, nesse misto de força e doçura que só a gente entende. Não quero medir forças contigo, quero ser a sua força, porque tu és a minha. Um dia vamos brigar sobre o nome dos nosso filhos, que escola eles devam ir, quem é o responsável por ele ter batido no coleguinha que o chamou de bobão. Um dia vamos vê-los se casando, um dia vamos ter nosso álbum de memórias mais cheio que a Biblioteca Nacional, um dia dormiremos abraçados e não acordaremos mais. Viveremos pra sempre - eu te batendo, você me aturando, porque assim que terá que ser - só eu, você e todo esse rio selvagem de amor que ameaça transbordar sempre que sinto sua pele tocando a minha.