quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Mais uma dose.

Na segunda cadeira do balcão (pra quem olha de lá pra cá) havia essa garota. Jamais tive a chance de perguntar seu nome, mas é como se eu soubesse quem era ela só de olhá-la. Era alta, mais alta ainda em seus saltos Jimmy Choo, com a silhueta bem traçada por um vestido vermelho não muito chamativo. De toda, não era muito chamativa: Tinha nos dedos um esmalte claro, não usava jóias, seu corpo diminuto parecia se perder em meio aos flashes das luzes daquele lugar. Era magra, rosto fino, postura curvada, olhar ao longe. Na mão, um copo com algo vermelho vivo jazia pela metade. Raramente encostava os lábios sem batom nele e, quando o fazia, fazia de maneira tão discreta que só olhando-a firme, como eu estava, é que se conseguia vê-la de fato bebendo o que quer que aquilo fosse.
Ela não parecia esperar por alguém - ou pelo menos não dava os sinais de tal ação, como olhar pros lados constantemente ou checar as horas. Porque tal figurinha, pálida e singela, estaria num lugar como aquele, só do jeito que estava?
Minha mente começou a vagar pelas mil possibilidades: Talvez tivesse perdido o emprego, o namorado a traiu, o marido a largou por alguém mais jovem, mais bonita, com mais sal. Não. Seus olhos não tinham o pesar da tristeza, o rosto não se contorcia em raiva ou lágrimas. Seria alguma comemoração mórbida? Talvez tivesse cumprido uma obrigação que a atormentara, e bebia para esquecer-se de tudo? Também não. Estava solta demais, leve demais, vaga demais para que houvesse qualquer nuvem de consternação pairando à sua volta. Tive vontade de sentar do seu lado, pagar mais uma dose daquilo que bebia, perguntar-lhe seu nome, tocar sua mão e saber se era quente ou fria, saber de sua vida e de seus planos. Queria muito saber se tinha planos, se se projetava daqui há alguns anos e como. Continuei a olhá-la, minha curiosidade crescendo a cada segundo, minhas pernas quase que se levantando involuntariamente, quando aconteceu.
Da segunda cadeira do balcão (de quem olha de lá pra cá), a pequena mulher se levantou - e daí comprovo a afirmação sobre sua altura em seus Jimmy Choo's - e, com um suspiro, pagou a conta. Não pude ouvir sua voz em meio à música, só pude imaginá-la fraca, pequena como tal criatura. Com um suspiro, ela ajeitou as alças do vestido e caminhou em direção à porta.
Antes que pudesse chegar ao seu destino, porém, encontrou algo que não esperava: Meu olhar, estagnado na pureza de seu caminhar e de sua expressão lisa sem maquiagem. Ao encontrá-lo, se deteve por 1, 2, 3 segundos, piscou como se saísse de um transe, deu uma longa expirada e acalmou o que quer que estivesse acontecendo dentro daquele corpo. Os olhos sem vida, sem graça, sem nada, que eu observava há um minuto voltaram e me olharam de volta, sem interrogação ou surpresa. De relance vi um meio sorriso sem dentes; gelei.
Enquanto ela passava por mim e saía mundo afora, me dei conta do que tanto me prendia nela.
Ela, com seu drink vermelho e seus sapatos de salto alto, estava tão perdida e vagante naquela vida quanto eu.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009